Não
há hoje uma generalização das experiências de participação da sociedade civil
que nos permita afirmar que a gestão participativa tenha se tornado um paradigma
hegemônico em nosso País, quiçá no município de Belém do qual Mosqueiro é um
Distrito Administrativo. Existe ainda, e é preciso estar sempre atento, o
perigo do clientelismo como prática institucionalizada, muito arraigada na
nossa cultura, e que pode se apropriar dos canais participativos invertendo o
sentido que em princípio teriam. Particularmente, em Mosqueiro, qual o peso e a
legitimidade que as representações da sociedade local, do legislativo, dos
partidos políticos e os cidadãos têm alcançado nos espaços de participação e
negociação com a gestão municipal? Oferecer algumas luzes que auxiliem nas respostas
ao questionamento acima é o objetivo desta publicação.
Para
quem vive em Mosqueiro não é novidade a existência de diversas formas de
associação da sociedade civil. Seguindo a tradição do associativismo em nosso
País, onde a influência da igreja católica foi determinante, existem algumas organizações
ligadas à veneração de Santos. Neste perfil podemos citar o caso da Associação
de Santa Rosa de Lima, na comunidade do Caruaru, e os grupos religiosos da baía
do Sol que festejam São Sebastião, na Fazendinha, São Pedro, na Camboinha e o
Divino Espírito Santo, no Bacuri. Ainda podemos encontrar associações relacionadas
às atividades profissionais como a Colônia de Pescadores Z9, a Associação dos
Tapioqueiros, a Associação dos Barraqueiros, a Associação dos Artesãos e a
Associação Pró Turismo que reúne empresários e trabalhadores do ramo. Existem
as associações culturais, como os grupos carnavalescos (blocos e escolas de
samba), grupos juninos (quadrilhas, cordões de bicho e boi bumbá) e ao folclore
de uma maneira geral. O Instituto Ampliar, organização não governamental de
caráter socioambiental, que atua principalmente no Maraú e Paraíso e o Rotary
Clube de Mosqueiro, com diversas ações assistenciais, são também exemplos de organizações
da sociedade local. Fechando essa lista poderíamos citar outras formas
associativas, mas que, em grande parte, foram criadas para dar suporte aos
interesses políticos e partidários de alguns indivíduos.
Entre
as experiências vividas por essas associações, cito algumas que estão
relacionadas às necessidades objetivas da comunidade com interface direta na
gestão púbica do Distrito. Certa vez, a Associação de Santa Rosa de Lima,
atenta ao problema de falta de energia na comunidade do Caruaru, destinou a
renda da festividade para a compra e instalação de um sistema de geração de
energia solar para atender a escola, centro comunitário e igreja, logo depois
chegou uma linha de transmissão da Celpa sem que houvesse a devida discussão
com a comunidade sobre o modelo adotado, pois este segue um padrão nacional que
não considera características locais. Sabemos que número de consumidores da
Concessionária aumentou, mas não teria sido melhor o poder público apoiar a ampliação
dos sistemas de energia alternativa de maneira a atender as residências, lá
existentes?
Diversas
propostas foram apresentadas e encaminhadas às autoridades locais, municipais e
estaduais pela Associação Pró Turismo para qualificar e ampliar a atividade que
é considerada estratégica para o desenvolvimento local. A construção de um
Portal, localizado logo após a ponte sobre o Furo das Marinhas, foi uma dessas
propostas. Além de marcar a chegada a Mosqueiro, este equipamento abrigaria um
Posto de Informação Turística - PIT, um Posto Policial ou da Guarda Municipal, e
uma feira de produtos locais, que já existe naquela região, com estacionamento
apropriado. O Portal foi construído e todos sabem onde ele está localizado, o
PIT também, está na praia do Chapéu Virado e o Posto Policial continuou no
mesmo lugar e passou um bom tempo desativado. Os recursos foram gastos, mas a
falta de diálogo dos gestores com a sociedade fez com que esses equipamentos se
transformassem em peças meramente decorativas, com muito pouca serventia, e
eficácia duvidosa devido a falta de integração das políticas setoriais.
Juntamente
com o Rotary Clube e o Instituto Ampliar, a Associação Pró Turismo chegou a
promover, durante três anos, com algum apoio dos governos municipal e estadual,
o Festival das Águas. Também promoveu um Reveillon, adotando modelo
diferenciado daquele vigente até então, motivando a participação das famílias
com atrações de qualidade e segurança para todos. Divulgou a festividade de
Nossa Senhora do Ó e o Carnaval, ações que foram bancadas exclusivamente por
seus integrantes e colaboradores. Tudo isso fazia parte de uma estratégia para
trazer os visitantes e equilibrar uma demanda onde os comerciantes locais
amargam grandes prejuízos fora do período de férias escolares. O Festival das
Águas, que poderia ter sido o embrião para habilitar Mosqueiro como palco do
debate sobre a gestão dos recursos hídricos, por falta de visão dos nossos
governantes, nunca foi tratado como estratégico. Quanto ao Reveillom, devido ao
grande sucesso da iniciativa, não demorou para ser encampado pela Prefeitura
que deformou a ideia original provocando um retrocesso.
O
perfil clientelista dos partidos e políticos profissionais tem dificultado
bastante a organização social em Mosqueiro, a cooptação de lideranças vem sendo
uma prática recorrente. As organizações sociais que apresentam um perfil suprapartidário
não recebem a ajuda que deveriam como é o caso da Associação Pró Turismo que
contém, em seu Estatuto, dispositivos que impedem a mesma de apoiar qualquer
candidatura e os membros de sua diretoria pleitearem cargos eletivos. Por outro
lado, aquelas associações, cujas lideranças tem como grande objetivo obter
vantagens pessoais ou são ligadas a políticos com mandato, conseguem firmar
convênios vantajosos com a Prefeitura e com o Estado. Como resultado, temos a
perda de legitimidade e de credibilidade nas ações desenvolvidas por essas
instituições, onde muitas delas estão inadimplentes junto aos órgãos de
controle. Outro aspecto que compromete o protagonismo social de algumas
organizações é o que chamo de complexo de “vira-lata”, ou seja, seus
integrantes não acreditam no poder que eles têm e ficam eternamente aguardando
a chegada de um “padrinho” que irá resolver todos os seus males, cenário ideal
para os oportunistas.
A
participação da sociedade civil não esbarra somente na cultura centralizadora
dos integrantes do poder executivo. Membros do legislativo costumam entender
que eles são o único canal de defesa dos interesses do cidadão, a abertura de
outros canais de participação direta é vista como ameaça ao poder que eles
tanto prezam. Certa vez procurei um secretário municipal para relatar alguns
problemas que vivemos em Mosqueiro, fiz porque o conheço muito antes dele ser investido
no cargo. Passado algum tempo, ele me telefonou informando que vinha a
Mosqueiro e pretendia visitar o lugar que eu havia relatado a existência dos
problemas, mas tinha um porém, ele estaria acompanhado de uma vereadora
integrante da base aliada do Prefeito. Agradeci a consideração e lealdade dele
em me avisar, mas entendi o recado – apesar de não ter sido a vereadora o
veículo que levou a informação para ele, se fazia necessário mostrar para as
pessoas daquela localidade que era ela que estava levando membros do executivo
municipal para ouvir os seus anseios e tentar resolver seus problemas.
A
Constituição de 1988 foi o marco do processo de redemocratização brasileira em
termos de aproximação da sociedade civil com o Estado. A participação permite
que a sociedade civil se expresse em termos de suas demandas e interesses assim
como acompanhe a utilização de recursos públicos e o respeito às leis e aos
direitos humanos. Entretanto, há contradições entre quem administra recursos na
gestão pública e quem está demandando serviços e investimentos. E há, também,
no seio das organizações da sociedade civil, conflitos para gerenciar a relação
das lideranças com suas bases, para que na relação com os governantes essas
lideranças não sejam manipuladas ou cooptadas.
A
experiência da organização social em Mosqueiro não foge dessas contradições e o
sentimento de desencanto toma conta dos bem intencionados enquanto outros
comprometem a credibilidade da participação social na gestão pública quando
colocam, em primeiro plano, interesses ilegítimos e, muitas vezes, imorais. De
qualquer forma, tudo isso deve ser encarado como aprendizado. Continuo
acreditando firmemente que, com erros e acertos, estamos dando passos
importantes para a construção de uma nova relação democrática e de políticas
públicas mais eficazes.
Concordamos plenamente.
ResponderExcluirAss. Pró-Turismo de Mosqueiro.
Antonio Menezes e João Araújo.