Esta obra é de autoria de Amaury Dantas e Eduardo Brandão
com ilustrações de D'Arcy Albuquerque e Felipe Dias.
Província
dos Tupinambás: do jardim do Édem ao inferno colonial
Nas areias brancas de uma bela praia,
à sombra de um ajuruzeiro, próximo a um cacuri, aqueles currais feitos de
paxiubinha, um índio tupinambá prepara o seu peixe. Sobre um moquém feito de
pau de tucumã e envolto em folha de guarumã, o peixe fica exposto a um fumeiro
feito com a lenha do maraximbé ou do murucizeiro, afinal de contas os dois
queimam lentamente e são apropriados para este fim.
Depois que os brancos construíram um
pequeno forte no outeiro que fica na baía dos Guajarás, na ilharga do igarapé
do Piri, os índios não mais se assustam com as caravelas que navegam ao largo.
Aos olhos do estrangeiro, nem cacuris,
nem currais; aquele lugar de passagem obrigatória e de paisagem ardente e
selvagem, é ela, a praia dos moqueiros, a ponta da musqueira, a Ponta do
Mosqueiro.
Nela há um casamento perfeito de luz e
água. Sol radiante e bonitas praias de rio. A luz que vem do céu se reflete na
mata, na terra, na água. Até parece que as plantas, os bichos e os homens
assumem coloridos mágicos.
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Na
embocadura do igarapé do Cajueiro a Iara penteia seus longos cabelos, negros e
lisos. Tem olhos amendoados e pele morena, cuja cor confunde-se com a do
barranco. Prepara com requinte de uma rainha o seu banho de ervas cheirosas.
Arreda uma árvore aqui, ajeita umas orquídeas ali, põe umas samambaias acolá,
uns aguapés na frente e deita-se molemente em seu leito de água refrescante.
A Boiúna não deixa a Iara adormecer e
vem chegando lentamente em seu leito. De seus olhos emanam fachos de luz como
se fossem os raios da morte. Da grande boca sibilam sons apavorantes que
preconizam o medo. Ao chegar, vai logo falando:
“Esses estranhos
estão despejando no rio um veneno pior que o da jararaca e o da coral juntos.
Construíram uma engrenagem e deram o nome de Engenho de Anil. O que não presta
jogam no rio como se este fosse um
grande esgoto.”
O
Boto, sempre garboso, chega e vai logo se metendo na conversa:
“Boa Noite Yara! Boa noite dona Boiúna!
O que está acontecendo? Por que tanta preocupação?
“É a Boiúna que está assustada com os
últimos acontecimentos. Parece que a nossa tranquilidade acabou”,
Respondeu a Iara.
A Mati-tapererê, que até então não se
fazia notar, pousada sobre uma ramagem de taquara, abre sua mortalha e fala:
“Ouvi o cacique Peroassu dizer que pretende arribar. Vai
retirar o seu povo da beira no rumo da floresta. Há problemas, não aceitam os
invasores e vêm encontrando dificuldades para pescar.”
O Boto que também já vinha observando
algumas coisas estranhas comentou:
“De fato, alguns
cardumes se afastaram da Baía do Sol! Até os meus irmãos eu não os encontro faz
é tempo!”
Com o olhar fixo no horizonte,
observando um belo pôr-do-Sol, a Iara pensou em voz alta:
“Então a causa de
nossa inquietação é a presença dos intrusos, dos estrangeiros...”
“Não quero aumentar a
pororoca que está formada, mas o Curupira anda dizendo que fostes tu, Boiúna,
que permitistes a estes estranhos chegar e sentar praça. E ainda por cima que
fizestes a tua Câmara Real debaixo do Forte do Castelo, do comandante mor”, provocou o Boto.
“Só se for para
acabar com a tranquilidade do meu sono. Precisamos é tomar uma atitude,
imediatamente. Quem eles pensam que são? Os senhores do tempo? Donos da terra?”, defendeu-se a Boiúna.
Tentando serenar os ânimos e, ao mesmo
tempo, fazer algo com relação ao que estava acontecendo, a Mati sugeriu:
“Não
adianta brigar. Tenho uma ideia. Vamos assustá-los. Sei que os Tupinambás e os
Morobira estão aborrecidos. Eles têm motivos de sobra para não gostar da
presença desses aventureiros. Acontece que, sozinhos, não poderão enfrentá-los.
Mas, com a nossa ajuda...”
“Assustá-los
é pouco. Precisamos aterrorizá-los! E isso eu sei fazer muito bem. Afundo todos
aqueles barcos”,
sentenciou a Boiúna.
“Pois
eu prefiro seduzi-los. Nada como a música suave. Nada como, digamos, o charme
de uma mulher maliciosa. Em pouco tempo, eu os terei em minhas mãos”, segredou a Iara.
“Taí, gostei
da ideia. O importante é estarmos unidos. Cada um deve fazer a sua parte. Cada
um usa as armas que possui e... mãos à obra. Pelo visto, temos muito trabalho”, disse o Boto.
Sem perder tempo, cada um deles foi para o
seu canto começar a agir. Ao longe ainda se ouvia as gargalhadas da Mati:
“Ah,
Ah, Ah, Ahhhhh.... Ah, Ah, Ah, Ahhhhh....!”
Então, assim ficou combinado: o Boto com a
esperteza; a Boiúna o medo; a Iara a sensualidade e a Mati-tapererê o pavor .
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No dia seguinte, na aldeia de Moribira, o
cacique Peroassu comentava com a Mati
e outros índios da tribo:
“Estamos
muito preocupados. Os estrangeiros além de levar nossas riquezas tentam nos
escravizar. Trazem Caruaras, que são as doenças.”
“É
bexiga da pele de lixa
É
sarampo da cara pintada
Tosse
de cachorro brabo
Tem
cólera dos intestinos
E dor
de barriga quebrada
Dizem
para não andarmos nus
Falam
que somos almas pecadoras.”
“Pois
fique sabendo cacique, que uma prima minha, irmã do murucututu, no mastro de
uma caravela, escutou uma conversa que um tal marinheiro desembarcou doente e
que a praga vai se espalhar”, comentou a Mati.
“Dizem
que é a peste das bexigas.
Desmoraliza qualquer valente.
Traz pânico aos inocentes.
Caruara mais que danada.”
“Então
é lutar ou fugir. Depois que o meu povo começou a ter contato com esses
brancos, toda gente danou a padecer. Aqueles que casam com as nossas mulheres
recebem até uma recompensa do chefe deles”, concluiu Peroassu.
O cacique se referia ao pagamento que era
dado aos colonizadores portugueses, espécie de dote, como incentivo para
aqueles que casassem com as índias. Para defender os interesses da Coroa portuguesa
as missões religiosas estimulavam os casamentos como estratégia de povoação,
sinônimo de dominação e poder.
E foi da mistura de sempre, dos casamentos
entre colonizadores e índias e, mais tarde, também com a presença do negro
africano, que surgiram os cafuzos, os mamelucos, os mulatos... Da mestiçagem de
hábitos e cores, crenças e virtudes, peles e costumes, teve origem o caboclo.
De caboclos em caboclos surgiu o nosso povo, de fala doce e da pele morena,
herdeiro das lendas, das tradições e da história.
Olá, como faço para adquirir essas obras? Meu contato é 91 989346404
ResponderExcluirLamento desapontá-la mas acho que todos os exemplares que foram colocados à venda esgotaram. Na época do lançamento foram doados dois exemplares para cada escola ter em sua biblioteca. Infelizmente, quase todos sumiram. Por essa razão disponibilizei no blog. Fique a vontade para fazer cópias.
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