Esta obra é de autoria de Amaury Dantas e Eduardo Brandão
com ilustrações de D'Arcy Albuquerque e Felipe Dias.
Ponta do Mosqueiro: do poder da fé ao poder caboclo
Os missionários religiosos no Pará
enfronharam-se em todas as aldeias e, fundamentados no poder da fé e também do
conhecimento, estimularam a exploração econômica dos produtos regionais como a
madeira, as pedras preciosas, o cacau, a farinha de mandioca, e em especial a
copaíba, a salsa, o cravo, a canela, as frutas tropicais, enfim, as drogas do
sertão que faziam enorme sucesso na Europa.
Porém, mais grave que a exploração
comercial foi a enxurrada deformadora de hábitos e princípios, uma vez que os
índios tiveram os seus costumes violados e sua língua oprimida em franco
processo de aculturação onde o dominador sempre vence.
Singrando os furos e os igarapés que
cortam a Ilha de Mosqueiro as canoas com remeiros partiam com ervas, as frutas
e a madeira. Da terra usurpavam as riquezas e dos índios, pior, tentavam levar
sua identidade cultural enquanto povo e nação.
Quando o Marquês de Pombal, poderoso
ministro imperial, percebeu que os padres instalados no Pará tinham extrapolado
de suas tarefas espirituais e, com desenvoltura exerciam o poder temporal sobre
a terra e os índios, passando a constituir um Estado dentro do próprio estado
português, e que isso era uma grave ameaça política, resolveu tomar algumas
providências:
Expulsou
os jesuítas,
proibiu
a escravidão dos índios;
estimulou
a vinda de negros de Angola e Guiné,
preconizando
a exploração do negro africano.
Dizem que os herdeiros de um certo Tomaz da Baía do Sol receberam muitos desses negros para cuidar dos afazeres de seus Sítios.
A residência da família Travassos,
construída em frente à praia do Paraíso, e o Sítio Conceição, construído pelo
capitão da Guarda Imperial Leocádio José da Silva junto com sua esposa Maria do
Carmo Silva, contaram por muito tempo com a mão de obra dos negros trazidos da
África.
Com o final da escravatura, alguns
negros continuaram trabalhando nestas
propriedades. Dizem que, impossibilitados de voltar, encontraram na Ilha os
encantamentos da sua terra natal.
No Areião a lua é altaneira e o rio
faz preamar. Sob a cantoria dos grilos e dos sapos os homens desembarcam de
suas canoas, Alguns chegam mortos, outros bastante feridos. A areia branca da
praia recebe o sangue de bravos guerreiros e torna-se amarelada. A nobreza da
resistência transforma a areia branca em dourada. Nunca mais areia será a
mesma.
Os caboclos moravam em casa de taipa
coberta de palha, conhecidas como cabanas, talvez uma mistura das ocas
indígenas com as casas dos portugueses. As cabanas predominavam nas vilas e
freguesias mais modestas.
Seus habitantes, os cabanos, insatisfeitos
com os desmandos do presidente da Província, invadiram Belém e tomaram o poder.
Governaram durante um ano mas foram reprimidos pelos legalistas com ajuda de
mercenários estrangeiros.
Perseguidos, os cabanos escondem-se no
Acará, na Vigia, um grupo refugia-se na Vila do Mosqueiro e lá organiza uma
resistência. Sabendo disso, os legalistas mandaram de Tatuoca e Cotijuba soldados
e artilharia. Entrincheirados na praia do Chapéu Virado os cabanos os receberam
com intensa fuzilaria. E o ar encheu-se de enxofre e de pólvora.
“Realmente
a luta foi desigual. Eles sabiam que de homem para homem estavam perdidos, mas os nossos cabanos
combateram bravamente com honra e dignidade”, disse a Iara, externando um
sentimento que misturava pesar e orgulho.
“É,
eles se aproveitaram que eu estava ocupada protegendo a fuga do líder Eduardo
Angelim para atacar os nossos amigos no Mosqueiro. Se soubesse que aqueles
canhões soltavam fogo pela boca que nem as fuças do Boitatá, eu os teria
aniquilado.”
“Esses
covardes se autodenominaram legalistas por se acharem do lado da lei. Mas se a
lei são eles que fazem! Ora! Eles são a lei. Um dia isso tem que mudar...” Esbravejou a Boiúna.
“Êpa! Êpa!
Êêêêpa! Óia eu chegando, cansada de tanto voar.”
“E aí minha mana? Aonde será que tu
estavas metida?”, perguntou o Boto.
“Tava
no ar, meu mano. Ajudando os cabanos a escapar: uns foram pelo rio Pratiquara,
para lá do Caruaru; outros no Sítio Espírito Santo; e mais aqueles para ilha de
São Pedro”,
respondeu a Mati.
“Ih! Vocês já sabem que a Mati mudou
de nome?”
“Ora,
mas que novidade!”,
exclamou Iara. “E agora, como se chama?”
“Me chamo
agora Matinta Pereira”, respondeu a Mati com certo ar de superioridade.
“Eu hein!!
Axi xiri! Daqui a pouco vai ser Matinta Pereira Albuquerque Brandão Dantas Dias
da Silva”,
disse o Boto, dando uma gargalhada tão forte que o seu chapéu beirado, isto é
com beira, acabou caindo emborcado expondo o orifício que traz na cabeça.
Chapéu birado,
feito pelos artesãos da praia,
chapéu que cai da cabeça deixando o Boto
espantado;
chapéu que cai emborcado e descansa na areia
da praia,
que por conta do Boto descuidado,
virou praia do Chapéu Virado.
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