Esta obra é de autoria de Amaury Dantas e Eduardo Brandão
com ilustrações de D'Arcy Albuquerque e Felipe Dias.
Igarapé
do Itapiapanema: do apito do “Alexandrino” à
aurora do novo milênio
Nos primeiros anos do século XX, os
encantos da Ilha do Mosqueiro estavam reservados para os caboclos que lá viviam
e para um pequeno número de famílias que elegeram seus recantos para passar
momentos de descanso e lazer. Com as linhas regulares de navios, até na Holanda
mandaram construir um navio especialmente para esta finalidade, o movimento
cresceu muito. No mês de julho as praias ficavam cheias daqueles que se
denominavam veranistas.
As novidades eram muitas: primeiro foi
o bonde puxado a burrinho; depois a Pata-Choca, que tinha força suficiente para
puxar até quatro vagões; por último os ônibus. Ah! Não podemos esquecer das
caminhonetes Ford do Raimundo Cruz e os carros dos Dantas Ribeiro e dos
alemães. Eram uma belezura.
Na Vila tinha o Cinema Guajarino.
Passava filmes que faziam o maior sucesso na Ilha e no mundo inteiro. Até um
bloco de Carnaval surgiu para homenagear os índios Peles Vermelhas. Será que o
sangue Tupinambá falou mais alto na hora da escolha entre os apaches e os
soldados da cavalaria?
Na sombra de um bambuzal, um grupo de
idealistas começava a pensar em maneiras para facilitar, ainda mais, o acesso
das pessoas até a Ilha.
“Alguma
coisa estranha está acontecendo pelas cercanias do furo das Marinhas!”, exclamou a Boiúna,
demonstrando uma certa preocupação. Aliás, quem a conhece sabe que ela é mesmo
assim sempre atenta.
“O que poderia ser de tão grave?”, perguntou
a Matinta Pereira.
“Não sei ainda. Mas tem havido muito
movimento próximo às ilhas do Maruim, de São Pedro, do Canuari, aquelas que
ficam antes de chegarmos à baía do Sol”, disse a Boiúna.
“Acho melhor chamarmos a Iara e o Boto
para perguntar se eles sabem de alguma coisa”, sugeriu a Matinta.
Dois dias depois os quatro se encontraram
no igarapé Itapeuapanema. Por ser um lugar de poucas águas, eles puderam
conversar sem ser interrompidos pelos ruídos dos navios que atracavam no trapiche da Vila e pelos olhares curiosos de seus
passageiros.
Não aguentando a ansiedade, a Boiúna
foi logo tomando a palavra e perguntando:
“Afinal,
alguém pode me explicar o que está acontecendo?
“Na festa
da noite passada, falaram na aparelhagem Primavera que estão construindo uma
estrada. E que agora as pessoas virão para Ilha de carro”. disse o Boto.
“E por
onde passará essa tal estrada?” voltou a perguntar a Boiúna.
“Ouvi
na ‘boca de ferro’ do mercado e o treme terra Tupinambá confirmou que a estrada
vem de Benevides passando por Santa Bárbara e é por demais bonita, sim senhor!
E tem mais. Do furo das Marinhas, segue em linha reta até a praia do
Carananduba, para depois seguir pela Beira-Mar”, afirmou o Boto,
demonstrando estar muito interessado na novidade.
“Beira
Mar não, Beira Rio!”,
retrucou a Matinta Pereira.
“Tanto
faz, eles nunca tinham visto um rio tão grande que pensam que é mar. Já vi
muito boboca provando da água para ver se não é mesmo salgada”, falou a Iara.
“Pois
eu não gostei nada do que acabei de ouvir. Conheço muito bem aquela região e
sei que esta estrada vai passar muito próximo às nascentes de alguns rios”, disse a Matinta,
afinal costuma sobrevoar aquela região para encontrar com outras “Matintas” da
família.
“A
Matinta tem razão”, disse o Boto. “Tenho visto muita sujeira ultimamente: é
palito de picolé, latinha de cerveja, garrafinha de água mineral, saco
plástico... Isso tem que parar. Vocês não acham?!”
“Não estou
vendo muito problema em aumentar o movimento na Ilha; certamente que virão para
cá muitos rapazes bonitos”, falou a Iara demonstrando segundas intensões.
“As
festas no Matapi também ficarão muito mais animadas e poderei conhecer muitas
moças formosas”.
completou o Boto apoiando a Iara.
“Pois
presta bem atenção Boto”, disse a Matinta. “Soube
que vão construir uma ponte e a rede de abastecimento de energia elétrica vai
garantir luz a noite toda.”
“Quem
não gostou desta arrumação, agora fui eu”, reclamou o Boto. “Se não voltar cedo para água, acabo virando
‘peixe’ no meio do salão.”
Para variar a Boiúna não conversou e
foi logo dizendo:
“Se
construírem a ponte, eu derrubo!”
“Esperem
aí”,
interrompeu a Iara. “Não podemos
radicalizar. A estrada e a ponte vão permitir que muita gente boa, que não podem
conhecer as belezuras de nossa Ilha, venham até ela.”
“A Iara
tem razão. O que devemos fazer é tentar influenciar estas pessoas para a
necessidade de preservar a natureza de modo que seus filhos e netos também
venham a usufruir de seus encantos”, argumentou a Matinta Pereira.
“Eu
também concordo”,
disse o Boto. “Agora, que precisamos
aumentar a vigilância, não há a menor dúvida.”
“Duvideodó! Mas se a maioria concorda,
democraticamente eu aceito a decisão”, manifestou-se a Boiúna.
Aurora
do Século XXI
E juntos disseram:
Estamos aqui reunidos
E já rolou muita falação
Se as coisas não foram assim
É porque sobrou inspiração
Mosqueiro é esta Ilha pai d’égua
E aqui se encerra a apresentação
Quem gostou muito que bata palmas
Quem gostou tanto, com poesia
Que nos leve no coração.
FIM...
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