Farol de Mosqueiro

Farol de Mosqueiro
Farol de Mosqueiro

sábado, 17 de janeiro de 2015

Enlevo e lembranças

Há quem diga que relembrar é viver, assim sendo, vamos celebrar a vida. O texto a seguir registra lembranças que já duram sete décadas.





"O presente texto foi esboçado pelo articulista quando, em companhia da esposa, encontrava-se sentado em um pequeno e tosco quiosque, à apenas dois metros de um muro de concreto, que ao mesmo tempo continha e acolhia as ondas da preamar de uma manhã ensolarada em Mosqueiro, bem na “Ponta do Farol”. É de extasiar até os menos sensíveis, ver as ondas baterem na contenção, e em seguida se lançarem para cima como que fazendo piruetas no ar, depois retornando alegres ao encontro das que vêm chegando, quem sabe, para narrar a experiência vivida. O momento é de enlevo e de lembranças, embalado pelo marulhar, e por uma suave brisa.



Levantando o olhar, descortina a imensidão da baía do Marajó, não avistando a outra margem. É como se fora um quadro sem moldura, de uma paisagem que tem vida. Também o farol parece ter vida, ao proteger as embarcações que cruzam a baía. Mas também é desafiador, recordando-se o articulista, quando ainda adolescente, tentar escalá-lo até ao topo. Mas cadê coragem para lá chegar, se contentando em subir até a base de concreto, depois de caminhar se equilibrando nas pedras que ficavam à mostra na baixa-mar. O farol é um sinal a orientar embarcações, mas também passou a iluminar as lembranças do articulista, fazendo-o voltar aos tempos de sua meninice, quando era levado pelos pais e avó materna, para finais de semana no Hotel do Farol.



Eram tempos nos quais, para aquele menino, o amanhecer em si já era sinal de contentamento, que se desdobrava ao descer para a praia, pisar na areia úmida, aprender a mergulhar nas águas tépidas e convidativas da maré, também se aventurando a nadar, com braçadas ao mesmo tempo vigorosas e desengonçadas. Suas brincadeiras prediletas eram empinar “papagaio”, e soltar uma barquinha à vela, ficando extasiado ao ver o brinquedo “singrar” as águas, como se fora de verdade.



Mas as suas brincadeiras não o impediam de acompanhar a movimentação dos adultos. Lembra que, ao final das tardes, o proprietário do hotel, advogado Zacarias Mártires, já aposentado, levava entretenimento aos hóspedes, relatando fatos inusitados e fazendo comentários críticos dos acontecimentos do momento. Com seu jeito ao mesmo tempo contestador e acolhedor, ao participar das rodadas de conversas com os hóspedes, se mantinha geralmente de pé, trajando pijamas de calças compridas, que tremulando ao vento, marcavam seu corpo esbelto. O timbre de voz era estridente, mas a maneira como se manifestava, era das mais insinuantes. De temperamento irrequieto, dirigia, pessoalmente, as obras de ampliação e serviços de manutenção do hotel.

Sua esposa, D. Adelaide, além de cuidar dos muitos filhos, era encarregada de prover o hotel dos gêneros alimentícios necessários. Quase todos os dias, às oito da manhã já estava de volta do Mercado, na Vila, descendo do ônibus com várias sacolas, sempre ostentando um semblante alegre.


São boas lembranças do passado, a iluminar o momento presente, perscrutando o futuro com a luz do farol que ilumina a esperança."


Texto de Ivens Brandão, reeditado da Coletânia “Lembranças & Reflexões” - 2008) 

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