"O
presente texto foi esboçado pelo articulista quando, em companhia da esposa,
encontrava-se sentado em um pequeno e tosco quiosque, à apenas dois metros de
um muro de concreto, que ao mesmo tempo continha e acolhia as ondas da preamar
de uma manhã ensolarada em Mosqueiro, bem na “Ponta do Farol”. É de extasiar
até os menos sensíveis, ver as ondas baterem na contenção, e em seguida se
lançarem para cima como que fazendo piruetas no ar, depois retornando alegres
ao encontro das que vêm chegando, quem sabe, para narrar a experiência vivida.
O momento é de enlevo e de lembranças, embalado pelo marulhar, e por uma suave
brisa.
Levantando
o olhar, descortina a imensidão da baía do Marajó, não avistando a outra
margem. É como se fora um quadro sem moldura, de uma paisagem que tem vida.
Também o farol parece ter vida, ao proteger as embarcações que cruzam a baía.
Mas também é desafiador, recordando-se o articulista, quando ainda adolescente,
tentar escalá-lo até ao topo. Mas cadê coragem para lá chegar, se contentando
em subir até a base de concreto, depois de caminhar se equilibrando nas pedras
que ficavam à mostra na baixa-mar. O farol é um sinal a orientar embarcações,
mas também passou a iluminar as lembranças do articulista, fazendo-o voltar aos
tempos de sua meninice, quando era levado pelos pais e avó materna, para finais
de semana no Hotel do Farol.
Eram
tempos nos quais, para aquele menino, o amanhecer em si já era sinal de
contentamento, que se desdobrava ao descer para a praia, pisar na areia úmida,
aprender a mergulhar nas águas tépidas e convidativas da maré, também se
aventurando a nadar, com braçadas ao mesmo tempo vigorosas e desengonçadas.
Suas brincadeiras prediletas eram empinar “papagaio”, e soltar uma barquinha à
vela, ficando extasiado ao ver o brinquedo “singrar” as águas, como se fora de
verdade.
Mas as
suas brincadeiras não o impediam de acompanhar a movimentação dos adultos.
Lembra que, ao final das tardes, o proprietário do hotel, advogado Zacarias Mártires, já aposentado, levava
entretenimento aos hóspedes, relatando fatos inusitados e fazendo comentários
críticos dos acontecimentos do momento. Com seu jeito ao mesmo tempo
contestador e acolhedor, ao participar das rodadas de conversas com os
hóspedes, se mantinha geralmente de pé, trajando pijamas de calças compridas,
que tremulando ao vento, marcavam seu corpo esbelto. O timbre de voz era
estridente, mas a maneira como se manifestava, era das mais insinuantes. De
temperamento irrequieto, dirigia, pessoalmente, as obras de ampliação e
serviços de manutenção do hotel.
Sua
esposa, D. Adelaide, além de cuidar dos muitos filhos, era encarregada de
prover o hotel dos gêneros alimentícios necessários. Quase todos os dias, às
oito da manhã já estava de volta do Mercado, na Vila, descendo do ônibus com
várias sacolas, sempre ostentando um semblante alegre.
São boas
lembranças do passado, a iluminar o momento presente, perscrutando o futuro com
a luz do farol que ilumina a esperança."
Texto de Ivens Brandão, reeditado da Coletânia “Lembranças & Reflexões” - 2008)
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