Arcebispo
do Pará de 1932 a 1941, Dom Antônio de Almeida Lustosa, chegou a Belém a 15 de
dezembro daquele ano, após ter ocupado o sólio episcopal de Uberaba, em Minas Gerais,
e de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Durante os nove anos da sua jurisdição
percorreu, sem medir sacrifícios, sedes paroquiais, vilas e povoações, sempre
observando coisas, pessoas, fatos e curiosidades por onde andava. O texto que o
leitor do Blog Mosqueiro Pará Brasil
verá abaixo é o relato feito por Dom Lustosa a respeito de visita feita por ele
à Vila do Carananduba em 1933.
Quem
de “Chapéu Virado”, em viagem de circunavegação, prossegue pela costa da ilha
do Mosqueiro, passa por Murubira, Ariramba, São Francisco, Carananduba,
Maraú, Caruara (provavelmente o nome é Carauara
– Carauá, planta conhecida), Paraíso,
Sucurijuquara (buraco ou local de
morada da sucuriju – sucurijú designa
a grande serpente como uma árvore das anacardiáceas), Paissandú, Conceição, Fazenda, etc.
Carananduba é uma povoação a pequena distância do
Chapeú Virado. A enseada que lhe deu o nome é um belo semicírculo entre duas pontas
de São Francisco e Maraú. Na preamar oferece bom abrigo às
embarcações; na baixamar fica com pouquíssima água. Nessa enseada desembocam os
igarapés Coqueiro e Carananduba. O vocábulo carananduba significa muita caranã. Caranã designa uma palmeira elegante (Copernica cerifera)
semelhante ao açaizeiro, de cujos
frutos se prepara uma bebida com se faz com o açaí. A população de Carananduba é humilde, mas educada e de ótimos
sentimentos.
Carananduba
foi do número das povoações fortemente flageladas pelo impaludismo. Ainda não
cessou o mal; a quadra, porém, de maior virulência já passou. Os vestígios do
mal ainda são bem marcados. Quantos organismos combalidos! Quanto luto! A casa
em que nos albergamos era modesta. Situada no centro do arco do semicírculo da
enseada (diríamos melhor, talvez, mas em linguagem destoante da simplicidade a que
nos cingimos no ponto inicial do apótema tirado da praia como corda do
semicírculo da enseada) a humilde casa tinha, diante de si, um panorama
esplêndido nas suas grandes linhas e gracioso nos pormenores próximos. O mar em
frente tinha por limite, no horizonte distante, a linha de Marajó. A enseada
abria seus braços para abraçar essa vastidão líquida que muda a cada instante
de fisionomia conforme o céu, o vento, a hora. A simetria parece caracterizar o
panorama de Carananduba. A enseada é contornada por um arco de círculo
geométrico. As pontas de São Francisco
e do Maraú são duas balizas muito
semelhantes. Perto de “São Francisco” há uma pedra “Itaquara” em posição
homóloga ao escolho “Itapeua” próximo de “Maraú”, ambas perigosas quando há
preamar porque encobertas aos navegantes. Itaquara
(ita + quara) parece significar buraco de
pedra ou simplesmente lugar de pedra.
Itapeua deve ser de Itapeba – pedra chata ou pedra rasa.
Em
frente a essa casa há um pé de abio
inteiramente dominado por parasitas. Dir-se-ia um bando da gaviões que tivessem
pousado sobre a vítima indefesa para devorá-la. Eram bromeliáceas em grande
número. Pouco além, um pé de uxi
(dizem outros uixí) e mais algumas
árvores frutíferas. À sombra do pomar, um poço é meta de muitos moradores que
aí haurir água potável, pois a enseada é salgada. Não fosse o flagelo do
impaludismo e mui aprazível seria Carananduba,
cujos filhos se distinguem pelo espírito religioso.
Junto
às moradias do interior é muito comum elevar-se um hotel de japiins. São
árvores cujos ramos vergam ao peso de numerosos ninhos. Os japiins vão e vem,
na azáfama de nidificar, de alimentar seus filhotes. Belos e gárrulos eles
enchem de vida o ambiente e tornam festiva a moradia. Parece que instinto de
conservação da espécie os localiza perto do homem. Diz-se que fogem das aves de
rapina que devoram seus filhos. O japiim se domestica sendo recolhido em
pequenino. Se, porém, os pais continuam a dar-lhe de comer na gaiola, como se
faz para criar outras aves – conta-se – os pais lhe propinam frutos venenosos.
É inverossímil, mas os caboclos o afirmam. Já se vê que o juízo de Salomão
fracassaria diante da psicologia dos japiins.
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