Farol de Mosqueiro

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terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Carananduba (1933).



Arcebispo do Pará de 1932 a 1941, Dom Antônio de Almeida Lustosa, chegou a Belém a 15 de dezembro daquele ano, após ter ocupado o sólio episcopal de Uberaba, em Minas Gerais, e de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Durante os nove anos da sua jurisdição percorreu, sem medir sacrifícios, sedes paroquiais, vilas e povoações, sempre observando coisas, pessoas, fatos e curiosidades por onde andava. O texto que o leitor do Blog Mosqueiro Pará Brasil verá abaixo é o relato feito por Dom Lustosa a respeito de visita feita por ele à Vila do Carananduba em 1933.

Quem de “Chapéu Virado”, em viagem de circunavegação, prossegue pela costa da ilha do Mosqueiro, passa por Murubira, Ariramba, São Francisco, Carananduba, Maraú, Caruara (provavelmente o nome é Carauara – Carauá, planta conhecida), Paraíso, Sucurijuquara (buraco ou local de morada da sucuriju – sucurijú designa a grande serpente como uma árvore das anacardiáceas), Paissandú, Conceição, Fazenda, etc.

Carananduba é uma povoação a pequena distância do Chapeú Virado. A enseada que lhe deu o nome é um belo semicírculo entre duas pontas de São Francisco e Maraú. Na preamar oferece bom abrigo às embarcações; na baixamar fica com pouquíssima água. Nessa enseada desembocam os igarapés Coqueiro e Carananduba. O vocábulo carananduba significa muita caranã. Caranã designa uma palmeira elegante (Copernica cerifera) semelhante ao açaizeiro, de cujos frutos se prepara uma bebida com se faz com o açaí. A população de Carananduba é humilde, mas educada e de ótimos sentimentos.

Carananduba foi do número das povoações fortemente flageladas pelo impaludismo. Ainda não cessou o mal; a quadra, porém, de maior virulência já passou. Os vestígios do mal ainda são bem marcados. Quantos organismos combalidos! Quanto luto! A casa em que nos albergamos era modesta. Situada no centro do arco do semicírculo da enseada (diríamos melhor, talvez, mas em linguagem destoante da simplicidade a que nos cingimos no ponto inicial do apótema tirado da praia como corda do semicírculo da enseada) a humilde casa tinha, diante de si, um panorama esplêndido nas suas grandes linhas e gracioso nos pormenores próximos. O mar em frente tinha por limite, no horizonte distante, a linha de Marajó. A enseada abria seus braços para abraçar essa vastidão líquida que muda a cada instante de fisionomia conforme o céu, o vento, a hora. A simetria parece caracterizar o panorama de Carananduba. A enseada é contornada por um arco de círculo geométrico. As pontas de São Francisco e do Maraú são duas balizas muito semelhantes. Perto de “São Francisco” há uma pedra “Itaquara” em posição homóloga ao escolho “Itapeua” próximo de “Maraú”, ambas perigosas quando há preamar porque encobertas aos navegantes. Itaquara (ita + quara) parece significar buraco de pedra ou simplesmente lugar de pedra. Itapeua deve ser de Itapeba – pedra chata ou pedra rasa.

Em frente a essa casa há um pé de abio inteiramente dominado por parasitas. Dir-se-ia um bando da gaviões que tivessem pousado sobre a vítima indefesa para devorá-la. Eram bromeliáceas em grande número. Pouco além, um pé de uxi (dizem outros uixí) e mais algumas árvores frutíferas. À sombra do pomar, um poço é meta de muitos moradores que aí haurir água potável, pois a enseada é salgada. Não fosse o flagelo do impaludismo e mui aprazível seria Carananduba, cujos filhos se distinguem pelo espírito religioso.


Junto às moradias do interior é muito comum elevar-se um hotel de japiins. São árvores cujos ramos vergam ao peso de numerosos ninhos. Os japiins vão e vem, na azáfama de nidificar, de alimentar seus filhotes. Belos e gárrulos eles enchem de vida o ambiente e tornam festiva a moradia. Parece que instinto de conservação da espécie os localiza perto do homem. Diz-se que fogem das aves de rapina que devoram seus filhos. O japiim se domestica sendo recolhido em pequenino. Se, porém, os pais continuam a dar-lhe de comer na gaiola, como se faz para criar outras aves – conta-se – os pais lhe propinam frutos venenosos. É inverossímil, mas os caboclos o afirmam. Já se vê que o juízo de Salomão fracassaria diante da psicologia dos japiins.

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