Dedico esse texto aos meus pais, Ivens e Lourdes Brandão.
Minha história em Mosqueiro está
inexoravelmente ligada à Rua Luís Clementino de Oliveira, ou simplesmente a Rua
“Clementina”. Chegando a Mosqueiro, passando pela pracinha do Chapéu Virado,
dirigindo-se para a Vila através da Avenida 16 de novembro, conhecida por
muitos como a Rua das Mangueiras, a “Clementina” é a primeira rua que dá acesso
à praia dobrando à direita.
Procurei saber quem teria sido Luís
Clementino de Oliveira. As informações que obtive dão conta que ele era um
ferrenho “cabo eleitoral” do então governador do Estado, Magalhães Barata. Por
esse motivo foi homenageado dando o nome àquela rua. O jornalista Paulo
Maranhão, dono do jornal a “Folha do
Norte” e adversário do Barata, se encarregou de apelidar o Luís Clementino
de “Garça Molhada”. Também fiquei sabendo do grande receio que ele tinha em
andar de navio, motivo pelo qual fez com que nunca estivesse na Ilha, pois a
única forma de acesso, na época, eram os navios que faziam linha regular para o
balneário. Ironicamente, Luís Clementino morreu afogado ao cair na água em uma
das vezes em que foi recepcionar o Governador na chegada de uma de suas viagens
ao interior do Estado.
(Chalé Minhoto)
Na primeira vez que vim para
Mosqueiro, eu ainda era criança, e minha família se hospedou no Chalé Minhoto de propriedade do casal Deusdedth
e Eunice Moura Ribeiro, amigos e compadres dos meus avós Lauro e Célia Brandão.
O terreno onde estava o “Chalé Minhoto” ficava em frente à praia do Chapéu
Virado, e se estendia até a Rua das Mangueiras (Av. 16 de novembro). Minhas
lembranças registram que o Chalé tinha uma varanda com vista privilegiada da
praia e nele ficava uma armação de ferro na qual podia ser armada uma rede.
Entrando em seus cômodos, havia uma sala com um móvel sobre o qual foi colocada
a miniatura de um belo barco. Seguindo adiante, vinha um corredor que dava
acesso aos quatro quartos, depois a sala de refeições, um banheiro e a cozinha.
No terreno, eu me lembro de forma bastante precisa a localização de cada árvore
lá existente, particularmente de um murucizeiro
que ficava na lateral esquerda da casa e cujo tronco o vento se encarregou de
fazer crescer paralelo ao chão, isso permitia subi-lo com facilidade, eu
adorava a aventura. Na frente da casa havia canteiros em formas geométricas
limitados por pedras escuras e polidas, hoje sei que elas tinham sido retiradas
da praia e que a água se encarregou de produzir suas formas e texturas.
Passando ao lado deste terreno tínhamos um caminho de areia que já era
denominado Rua Luís Clementino.
(Meu pai Ivens comigo e minha irmã Mônica na porta da casa do 'tio' Domingos)
Mais tarde, passamos a frequentar a
casa do casal Domingos e Nilza Silva que, da mesma forma que o casal
proprietário do Chalé Minhoto, era grande amigo
dos meus avós. Ela foi construída em um terreno localizado na Rua “Clementina”,
resultante do desmembramento do terreno do Chalé Minhoto. Em Mosqueiro havia a
prática das casas receberem um nome e não um número, a casa do ‘tio’ Domingos, como nos acostumamos a
chamá-lo, era denominada Nilza em homenagem à sua esposa. Nessa época minha
irmã Mônica havia nascido e já começava a descobrir os encantos do lugar.
(Minha mãe Lourdes nos levando para passear na "Clementina")
A atração provocada na nossa família,
pelo conhecimento que tínhamos daquela rua, fez com que meus pais, Ivens e
Lourdes Brandão adquirissem um terreno de propriedade da Sra. Fernanda Roberto,
irmã da ‘tia’ Célia Vizeu, grande
amiga de minha mãe. Inicialmente, o terreno media 10 metros de frente por 28,60
metros de fundo, o bastante para que meu pai, que é engenheiro, logo pensasse
na construção de nossa casa. Abriu uma clareira no mato que lá existia, fez o
projeto de um pequeno Chalé, idos de 1968, contendo sala, terraço, dois
quartos, banheiro e cozinha, tudo somando 70 m², para o que contratou os
operários e iniciou a construção. O desafio era grande, Mosqueiro não dispunha
de água encanada e as necessidades da obra eram supridas por um olho d’água
existente no fundo do quintal. Passados alguns anos, a área construída foi
acrescida de mais um quarto e banheiro, enquanto o terreno foi aumentado em
três metros de frente, adquiridos por valor simbólico, do amigo de meus pais,
Antônio Vizeu.
(Nossa casa na "Clementina")
Lembro-me muito bem da preocupação do
meu pai para que as paredes externas da casa, que eram de tijolo aparente,
ficassem perfeitas. Para isso contratou um pedreiro já experiente no trato
desse serviço. De fato, apesar dos tijolos não serem de primeira qualidade,
pois foram adquiridos em uma olaria que ficava nas margens do Furo das
Marinhas, o resultado foi tão bom, que nunca eu vi nada semelhante em termos de
arremate de alvenaria, em minha opinião, uma obra de arte daquele anônimo
operário. O telhado era coberto por ‘mini telhas’, menores que as usuais, e o
acabamento era com pranchas de madeira cuidadosamente cortadas. Como não havia
rede de abastecimento de água, meu pai mandou furar um poço tubular, novidade em
Mosqueiro daquela época.
(Nossa casa na "Clementina")
Eu havia completado oito anos de idade
quando ocupamos pela primeira vez a nossa casa. Ela ainda estava inacabada,
piso e forro só havia nos dois quartos e no banheiro, mas o jardim começava a
se formar com a minha mãe plantando flores em volta da casa, uma moldura que só
a natureza podia nos proporcionar. Aliás, os serviços de acabamento se
prolongariam por cerca de vinte anos... A geladeira era a gás e o fogão tinha
somente três bocas. Meu avô, sempre atento às nossas necessidades, tratou de
mobilhar a casa. Os móveis foram transportados em uma embarcação que partiu do
igarapé das “almas”, que na época chegava até a Trav. Boaventura da Silva, onde
hoje tem início a Avenida Doca de Souza Franco, e desembarcados em plena praia
do Chapéu Virado por homens habilidosos e certamente muito fortes. O
fornecimento de energia elétrica era bastante deficiente, por isso, candeeiros
estavam sempre à disposição numa eventual necessidade.
(O jardim que começava a ser preparado)
Neste lado da Clementino, o casal Curt
e Maizé Sequeira, pais do saudoso amigo Curt Jr., do Rodolfo e do Marcelo,
também tinham construído a casa deles. Na esquina da praia, do lado oposto ao
Chalé Minhoto, o advogado Egídio Sales e sua esposa Ivete, construíram a deles.
Além da casa do ‘tio’ Domingos, também existiam as casas do Fernando Castro, a
do José Rachid Sallé e sua esposa Arlete, e a do casal Otávio e Maria do Carmo
Cascaes, com suas filhas Vera e Márcia.
(Meu avô Lauro Brandão, comigo e com a minha irmã Mônica em bom banho de praia)
Passado algum tempo, foi iniciada a
construção do prédio Cerqueira Dantas. Depois de pronto, as famílias que
adquiriram apartamento vieram a frequentá-lo com bastante assiduidade e não
demorou para surgir fortes laços de amizades entre os adultos, os jovens e as
crianças. Mais uma vez, lançando mão de minhas lembranças, registro as
seguintes famílias: Agostinho e Esther Barros e seus filhos Agostinho Jr.,
Silvia e Márcio; Alípio e Vilma Martins com seus filhos Alípio Jr., Elza, Adriano
e Gersom; Ibrahim e Janete Darwich com seus filhos Ibrahinzinho, Jaqueline e
Jane; Manoel Leite Carneiro, sua esposa Nair e seus filhos Regina, Nádia e
Manoelzinho; João Costa com sua esposa e os, filhos Eduardo e Augusto; Wilson e
Marilene Carvalho, com seus filhos Arlindo, Luís e Vilma; Orlando e Maristela
Silva, com seus filhos Osmã e Adriene. Mais tarde, o apartamento que pertencia
ao Alípio Martins foi vendido para o médico Délio Guilhon.
À medida que o tempo passava outras
casas foram construídas. O casal Edir e Virgínia Batista, com seus filhos,
George, José Carlos (o Zeca), Edirzinho e Luciana, passaram a serem nossos
vizinhos mais próximos. Muitas lembranças boas ficaram das pescarias que
participei com o ‘tio’ Edir. O médico
Canuto Brandão, e os advogados Carlos Zoghbi e Arthur Melo também fizeram as
suas casas de veraneio e, juntamente com suas famílias, estavam sempre
presentes.
Durante as férias e nos finais de
semana prolongados a Clementina
ficava bastante povoada. Cada família tinha seu jeito próprio de curtir aqueles
momentos. O casal Curt e Maizé costumava levar uma lancha e fundeá-la na
direção da rua. Nas manhãs de sol o Curt saía com a lancha puxando a ‘tia’ Maizé que era eximia esquiadora,
todos se admirando com a destreza como ela executava aquelas evoluções. Na
nossa casa, todas as noites reuniam-se alguns amigos para conversar e contar
seus casos e tomar um cafezinho, enquanto eu ficava admirado como eles tinham
tanto assunto. Outros vizinhos gostavam do carteado, e por isso viravam a
madrugada. Outros preferiam fazer sua roda, e junto com uma boa prosa, beber
uma cerveja geladinha, uma dose de whisky ou uma boa batida de cana com fruta.
Pela manhã, os jovens iam para a praia
onde rolava a inevitável paquera. Enquanto as meninas ficavam tomando banho de
sol, os meninos caíam na água, principalmente para aproveitar as ondas e pegar
um “jacaré” com as pranchas de isopor que eram comuns naquela época. Algumas
figuras eram cativas e aguardadas diariamente. O vendedor de picolé da Cairu,
conhecido como Inácio, era uma delas. Também havia o vendedor de beijo de moça,
de raspa-raspa e de pirulito, aqueles em forma de cone com uma bandeirinha
colorida feita de papel de seda. Não era preciso levar dinheiro para a praia, pois
os vendedores conheciam onde morávamos e depois iam cobrar.
Despois do almoço, respeitado o
horário em que nossos pais dormiam a sesta, o futebol sempre foi um grande
atrativo. Para atender essa expectativa, meu pai construiu um campinho,
inicialmente de areia e depois gramado. Fazendo sol ou chovendo, logo um número
grande de meninos se reunia para formar os times e começar as partidas, quem
não começava jogando esperava na ‘grade’ que normalmente era numerosa. Entre os
jogadores também faziam parte alguns meninos, moradores de Mosqueiro, que tenho
orgulho de dizer que se tornaram meus grandes amigos, quando ora lembramos o
Edilsom, o Toinho, o Raimundinho, o Gigante, o Calado, o Reginaldo, o Roberto
(Pelé), entre outros. Houve um ano em que o Curt montou um campo de areia no
terreno que ficava ao lado da casa dele, e mesmo assim os dois estavam sempre
lotados. Como as meninas não jogavam bola (com honrosas exceções), o campinho
na casa de meus pais passou a receber disputadas partidas de vôlei. Jogadores e
jogadoras chegavam de vários lugares. A “Clementina”
virou pólo de atração para muitos que passavam férias em Mosqueiro e de
integração entre mosqueirenses e belenenses.
Depois de uma tarde cansativa, mas
prazerosa, logo estávamos reunidos novamente. Alguns iam conversar fiado,
outros iam namorar, outros jogar “Banco Imobiliário”e outros andar de
bicicleta. Quando éramos moleques, na época em que o edifício Cerqueira Dantas
ainda estava em construção, a novidade era brincar de “31 alerta”, brincadeira
onde um de nós contava até 31 e depois tinha que encontrar os demais, o prédio
em construção era o esconderijo ideal. A criatividade não tinha limite para
aqueles meninos e meninas, sendo o térreo do prédio transformado em ‘autódromo’
e as nossas bicicletas em máquinas semelhantes a da ‘Fórmula 1’.
A “Clementina”
era o caminho predileto de muitos que desciam para passear a noite na orla da
praia do Farol e do Chapéu Virado. Em frente da casa dos meus pais ainda
existia um terreno que no passado foi quintal do “Chalé Minhoto”, assim provocando
o espírito brincalhão presente entre nós, que fez com que inventássemos uma
brincadeira. Amarrávamos um ramo de folha de açaizeiro ainda fechado, na ponta
de uma linha, colocávamos dentro do terreno e do outro lado, com a linha na mão
ficávamos esperando alguém se aproximar. O que acontecia depois, vocês devem
imaginar. Puxávamos a linha e o alerta era dado – cuidado, uma cobra. A
correria era certa e a diversão garantida...
Como já foi dito neste texto, no
início a “Clementina” não passava de
um caminho de areia, que aos poucos foi ganhando melhoramentos em sua
infra-estrutura. Começou por uma camada de piçarra e definição da drenagem que
era feita através do meio fio e duas “bocas de lobo”, que conduziam a água da
chuva diretamente para uma área baixa existente atrás casas localizadas do lado
esquerdo da rua. A falta de fiscalização permitiu que essas valas fossem
obstruídas causando os problemas existentes hoje. Passado algum tempo,
colocaram uma pintura asfáltica coberta por fina camada de areia para
protegê-la enquanto secava. Rede de abastecimento de água e iluminação pública
também passou a existir.
Tenho certeza, que naquelas pessoas
que frequentaram a “Clementina” nas
décadas de 60, 70 e 80, muitas recordações boas ficaram. A palavra saudade,
certamente é a que melhor define o sentimento atual em todos eles. Amizades
nasceram, experiências, sensações e descobertas foram vividas. Sinto, até hoje,
a frustração pelo fato da casa construída pelos meus pais ter sido vendida.
Afirmo com bastante convicção que, naqueles anos de minha vida, Mosqueiro me
proporcionou grandes alegrias. O que faço hoje por este lugar é muito pouco, se
comparado a tanto que recebi.
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