O meio de transporte para chegar à Ilha era o fluvial, sendo o navio “Almirante Alexandrino” sucedido pelo então moderno “Presidente Vargas”. Construído na Holanda, foi projetado para atender à linha Mosqueiro e Soure. Era confortável e veloz, encurtando o tempo de viagem em pouco mais da metade em relação ao “Alexandrino”, mesmo tendo que reduzir a velocidade no percurso de Icoaraci até o porto de Belém, para não causar danos às pequenas embarcações fundeadas ao longo do trajeto.
Mas tudo começou com o “Almirante Alexandrino”, que desatracava do galpão Mosqueiro e Soure, nos dias de semana às 16h30, retornando às 6h do dia seguinte. Aos domingos a saída de Belém era às seis da manhã, retornando no final da tarde. Quando a maré estava favorável, o percurso era feito em cerca de duas horas, mas quando estava “contra”, acrescentavam-se pelo menos mais trinta minutos de viagem. O período das férias escolares de julho sempre foi o mais movimentado na Ilha, sendo naqueles tempos o local mais procurado dentre as poucas opções de lazer. Tudo era festivo. Aqueles que chegavam no começo da noite, ao subirem a rampa cimentada que leva à Praça da Matriz, eram “saudados” por quem havia permanecido na bucólica, que postados em duas filas, irrompiam em estrepitosa vaia. Até hoje não se descobriu o motivo, mas quem sabe não seria uma maneira de expressar aos que chegavam, haver perdido todo um dia dos deleites que a Ilha havia oferecido aos veranistas...
Retrocedendo um pouco mais, encontram-se gravadas nas paredes do túnel do tempo, realidades vividas lá pela década dos anos 40, quando a influência européia sobre os costumes dos belenenses já fenecia, enquanto a norte-americana chegava como consequência da 2ª Guerra Mundial. Mas no Mosqueiro tudo era paz. Quando as famílias para lá se deslocavam, fosse no período de férias ou final de semana prolongado, logo que o navio começava a manobra para aportar, o membro mais vigoroso da família se acotovelava entre os demais para desembarcar e contratar um carregador para cuidar da bagagem. Em seguida, se deslocava célere ao longo da ponte, para garantir pelo menos dois lugares sentados nos ônibus que aguardavam os passageiros, estacionados em diagonal em frente ao Mercado Municipal. Nas “bandeiras” liam-se os destinos: Farol, Chapéu-Virado, Murubira, Ariramba, e Carananduba.
Geralmente lotados, com passageiros sentados e de pé, eram ao tempo o único meio de transporte. Iniciada a “viagem”, percorriam os caminhos desprovidos de pavimentação, que contornavam as praias. Mas não havia buracos, porque a consistência do solo arenoso era o suficiente para resistir ao reduzido tráfego de então. Com a noite já iniciada, passageiros cansados, o silêncio era quebrado pelo ruído do motor, por vezes entrecortado pelo ranger da carroceria de madeira, no atrito com o chassi metálico, enquanto o veículo se deslocava no sinuoso caminho. Quando parecia estar próximo do destino, bastava o passageiro dizer ao motorista o nome da vivenda ou da família proprietária. Seguia-se o desembarque dos passageiros e da geralmente volumosa bagagem. O ônibus prosseguia, deixando aquele grupo familiar envolvido pela faceta silenciosa do bucolismo e da penumbra causada pela débil iluminação pública.
Se os veranistas estavam com sorte, vinha a “caseira”, que surgindo da penumbra, ajudava nos primeiros momentos, abrindo a casa e dando algumas informações quando era o caso do imóvel haver sido cedido ou alugado. A iluminação elétrica era das mais precárias, sendo necessário ser complementada por candeeiros a querosene. Nos quartos ficavam lamparinas, porque logo às dez da noite a energia era desligada, só “voltando” às quatro e meia da madrugada, em função do horário do ônibus que levava à Vila. Para os que chegavam, restava desarrumar o mínimo de bagagem de tal forma a obter condições para deitar. Mas já ficava escalado aquele que haveria de se levantar ainda de madrugada para ir ao mercado. No Murubira, por exemplo, o ônibus passava por volta das cinco da manhã, sendo o mesmo que levava os passageiros que embarcariam no navio.
A noite de chegada era muito especial, sobretudo para as crianças e pré-adolescentes de então. Logo procuravam a rede, de tal forma a encurtar a espera do amanhã. Quando a casa ficava à beira-mar, o intervalo entre as ondas quebrando sobre a praia prolongava a chegada do sono, aumentando a expectativa sobre as novidades que o novo dia haveria de oferecer. A praia era a atração maior. Mas o quintal, com suas árvores frutíferas completavam o ambiente, onde o canto dos passarinhos, o farfalhar das palmeiras em diálogo com a brisa, formavam como que um conjunto harmonioso que a natureza a todos brindava. Podem estar certos os leitores de hoje, que o amanhecer no Mosqueiro continua lindo, precisando ser novamente descoberto.
Meu pai foi um dos responsáveis a me mostrar os encantos de Mosqueiro. Sei que ele tem outros contando suas histórias e estórias por lá. Estamos aguardando para publicar.
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