Por quê? Quem ganha e quem perde com a emancipação do Distrito de
Mosqueiro? Mais uma vez, o debate relativo ao processo de emancipação do
Distrito Administrativo do Mosqueiro vem à tona. É certo que existe um forte
sentimento de insatisfação entre as pessoas que moram ou frequentam este
balneário. A ausência de um plano estratégico para um desenvolvimento
sustentável daquele território e a falta de uma política consequente só faz
crescer este sentimento.
O debate reiniciou no momento em que o Congresso Nacional transfere
para as Assembleias Legislativas Estaduais a responsabilidade pela criação de
novos municípios. De um lado, aqueles que defendem a emancipação justificando
que esta permitiria ao cidadão uma maior proximidade do poder decisório e seria
a saída para dar à nossa querida Ilha do Mosqueiro e aos seus habitantes o
tratamento necessário. Do outro lado aqueles que justificam a impossibilidade
da emancipação devido a sua baixa capacidade de arrecadação, inviabilizando o financiamento
dos projetos necessários para a modernização da mesma.
No interior desta discussão, dois aspectos me chamam atenção: a
descentralização e a maior participação do cidadão no processo decisório. São
sobre estes dois aspectos que pretendo oferecer algumas reflexões.
Todos sabem que a palavra descentralização vem sendo usada com frequência
por políticos de todas as matizes e que os interesses tem sido os mais
diversos. Diante da perspectiva concreta de discussão deste processo gostaria
de ressaltar que, do ponto de vista teórico, o termo descentralização vem
recebendo conceitos variados, portanto prefiro entendê-lo como meio e não um
fim em si mesmo. O conceito está relacionado com a condição de ferramenta, isto
é, um instrumento para a expansão e intensificação de uma boa governança com a implantação
da Democracia Participativa, alternativa imediata para a já degastada
Democracia Representativa.
Não tem sido fora do comum a superposição dos conceitos de
Descentralização e Desconcentração, alguns autores chegam a enunciar que a
Desconcentração é uma forma restrita de Descentralização. Para uma compreensão
simplificada admitiremos que a desconcentração signifique repassar a prestação
de serviços para as projeções regionais do poder central, o que não representa
a transferência de poder decisório para estas unidades, enquanto que a
descentralização transfere funções e poder decisório para as unidades regionais
de governo. Em outras palavras podemos dizer que “(...) a desconcentração é uma
forma de regionalização na qual a instância central de poder transfere parte de
suas atribuições de execução de atividades para órgãos regionais, que não
dispõem de poder para decidir sobre prioridades ou sobre o planejamento dos
serviços (...), a descentralização implica na transferência efetiva de poder
decisório para os agentes locais da administração municipal. Significa,
portanto, que os órgãos regionais têm autonomia, dentro dos limites
estabelecidos, para formular políticas locais, estabelecer prioridades e
planejar o atendimento das demandas.” (VAZ, José Carlos, Superando
o Governo Centralizado, 50 Idéias para a ação municipal: propostas em gestão
municipal. São Paulo, Pólis, 1996).
A descentralização administrativa da PMB recebeu uma atenção especial
no momento em que a Lei nº 7.682 de 05 de janeiro de 1994 é sancionada dispondo
sobre a Regionalização Administrativa do município de Belém. Nesta ocasião, foram
criados 8 Distritos e os seus respectivos territórios. No momento, cabe uma
reflexão consequente da missão da unidade administrativa do Mosqueiro, também
conhecida como Agência Distrital. Por estar em contato direto com as demandas,
esta deveria favorecer o relacionamento do cidadão com o poder municipal
instalando o já previsto Conselho Distrital e valorizando as organizações
locais.
No momento, não existem informações processadas que permitam a
identificação das ações executadas dentro dos limites geográficos. A malha de
serviços públicos; tais como Saúde, Educação, Saneamento, Assistência Social,
dentre outros; existentes no Distrito de Mosqueiro deverá ser alvo de análise
para que o processo de descentralização ou desconcentração aconteça da forma
mais adequada aos interesses da população. Para tal, sugiro que, após analise
de cada um destes setores, identifique-se as Ações Desconcentradas (hoje), as
Ações a Desconcentrar, as Ações Descentralizadas (hoje), e as Ações a
Descentralizar. De posse deste quadro poderemos enxergar o nível de
descentralização necessário a ser implantado.
Devemos avaliar se, no contexto da descentralização, a emancipação de
Mosqueiro oferece condições reais de interferir positivamente ou criar um
obstáculo ainda maior para o cidadão, gerando grande frustração. Uma das
dificuldades para a aprovação de melhores salários em alguns municípios é o
fato destes ameaçarem “fechar as portas” se tiverem que pagar decentemente o
seu servidor. É comum alguns municípios atrasarem o pagamento da folha de seus
funcionários. Do ponto de vista orçamentário a maioria dos municípios do Pará
depende fortemente dos repasses feitos pela União e pelo Governo Estadual, suas
arrecadações próprias são irrisórias. Será que em Mosqueiro esta realidade
seria diferente?
O segundo aspecto que pretendo me ater diz respeito às formas de
participação direta da sociedade nas decisões políticas. Diante do processo de
globalização, da mais radical revolução tecnológica da era moderna - a
informática, a robótica, a telemática dentre outras - e de questões emergentes
de novas formas de produção, cujos enunciados tradicionais do socialismo e do
capitalismo não conseguem responder satisfatoriamente, os governos municipais
adquirem uma nova dimensão política e estratégica para a construção de um
projeto social. Vale ressaltar, que tem sido nas cidades que o processo de
exclusão verificado nos últimos trinta anos tem assumido sua face mais
potencialmente ameaçadora, e que, portanto, é dentro delas que o desafio se
torna mais estimulante.
Todavia, a participação da sociedade civil per si na construção de projetos de desenvolvimento, acompanhamento
de políticas públicas e fiscalização do uso de recursos públicos não significa
que um processo de governança esteja realmente em curso. Existem vários outros
fatores que influenciam na governança e na ‘boa governança’ (good governance). Boa governança ocorre
quando as normas e as práticas sociais empoderam e encorajam as pessoas comuns
a ter controle sobre o desenvolvimento do seu próprio espaço de ação sem,
evidentemente, infringir os direitos socialmente aceitos das diversas
coletividades. As experiências dos conselhos municipais e distritais no Brasil
demonstram que as expectativas sobre a participação devem ser ajustadas e que
sérias limitações estruturais, que continuam obscuras, precisam ser desvendadas
para que a participação alcance seu efetivo potencial.
As demandas não aceitas ou não respondidas pelos governos estimularam
o surgimento de novas formas de organização pública, autônomas de poder e
influência, proporcionando formas alternativas de inclusão. “(...) tais organizações caracterizam-se por
estar ao lado ou contra o Estado - um novo espaço público não-dependente do
Estado - uma esfera pública não-estatal - auto organizada ou simplesmente
organizada paralelamente ao Estado; mas que se obriga reiteradamente a remeter
ao Estado, para interferir na vida pública ou sustentar seus interesses
diretos.”. O governo municipal pode e deve ser palco de experimentações políticas
de alcance universal, na medida em que institui os embriões de uma Democracia
Participativa, cujos paradigmas começam a ganhar força em relação aos da
Democracia Representativa. Trata-se de compartilhar uma nova concepção de
Reforma do Estado. Se faz necessário abrir o Estado a estas organizações
sociais, especialmente aquelas que são auto-organizadas pelos excluídos,
dissolvendo o autoritarismo do Estado tradicional sob pressão da sociedade
organizada.
É necessário romper as fronteiras que separam o Estado do cidadão. O
caminho a ser trilhado deve ser orientado por decisão política transformadora
que indica, assim, uma cogestão pública, estatal e não estatal, por meio da
qual a legitimidade da representação é permanentemente regenerada pela
democratização radical das decisões, que são “devolvidas” à comunidade em forma
de políticas, ações governamentais, que conferem identidade aos participantes
do processo e se ampliam na sociedade, alterando o cotidiano da cidade e
interferindo na compreensão política da sua cidadania.
Diante destas reflexões, preocupa-me que a emancipação do Distrito de
Mosqueiro transforme-se em um fim e não um instrumento de melhoria na qualidade
de vida de seus moradores. Não será a emancipação tratada de forma irresponsável
e inconsequente que irá solucionar os problemas enfrentados pelo Distrito. Se
quisermos a emancipação, é necessária a elaboração de um plano estratégico que
permita a visualização de todas as etapas que deveremos seguir para alcançarmos
o que realmente queremos – o bem estar de seus moradores e visitantes. Se a
atual e as últimas administrações não respondem satisfatoriamente aos nossos
anseios, não podemos nos deixar seduzir pelos interesses ocultos daqueles que
estão de olho somente nos novos cargos administrativos - prefeito, assessor,
secretários, vereadores - que surgirão com a emancipação.
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