Alguns estudos afirmam que a ocupação do território, onde
hoje se encontra o Distrito de Mosqueiro, apresenta registros que remontam
cerca de 12.000 anos. Esses nativos não se autodenominavam “índios”. O nome
“índio” decorre do fato dos colonizadores dos século XV e XVI relacionarem a
região com as Índias, na Ásia.
O índio, conforme foi denominado, era um ser humano que
havia constituído uma civilização e uma cultura intimamente ligadas à natureza.
A partir dela elaborou tecnologias, teologias, cosmologias, sociedades que
nasceram e desenvolveram experiências, vivências e interações com a floresta,
os rios, os minerais e as espécies da fauna e da flora.
Segundo Jecupé, os povos da Amazônia estavam espalhados
em centenas de tons[1]. Os tons se dividem por afinidade,
formando clãs, que formavam tribos, que habitavam aldeias, constituindo nações.
A região compreendida entre o oceano Atlântico e o estuário amazônico era
conhecida como a “Província dos Tupinambás”.
(Detalhe do Mapa de João Teixeira Albernaz obtido na Biblioteca da
Primeira Comissão Demarcadora de Limites do MRE)
Entre todos os grupos indígenas brasileiras, os
tupinambás com suas aldeias merecem destaque. Ao falar de uma ilha localizada
no estuário amazônico, não podemos deixar de dedicar nossa atenção efazer
referência a esses importantes ancestrais cuja cultura milenar deixou raízes
profundas nos hábitos e crenças do povo do arquipélago mosqueirense. Um dos
aspectos mais fascinantes desta cultura estão nos elementos imateriais desta.
Neste sentido poderíamos falar das lendas sôbre Coaraci, o Sol; Jaci, a Lua;
Rudá o deus do Amor; Anhangá, o espírito das florestas; Curupira, o protetor da
caça; Iara, a deusa das águas; Boitatá; o fôgo-fátuo, dentre outros. Para
Metraux e Trevet, segundo Couto Magalhães e Arthur Ramos, os tupinambás
acreditavam na seguinte versão para a origem do mundo:
Inicialmente, os tupinambás chamavam de Monan, ao ser que criou a terra, o céu, os pássaros e os animais. As águas foram criadas por Aman Attoupane.
E todos viviam felizes e contentes, até que o homem começou a ser mau, perverso, injusto. Monan, encolerizado, mandou Tata para o mundo dos homens. Tata era o fogo do céu que dominou tudo sobre a terra. Apenas Irin-Magé salvou-se, pela sua bondade, e apelou para Monan, que tivesse compaixão dos homens. Monan via em Irin-Magé seu representante. Reconhecia-lhe o grande sentimento de justiça, de amor ao próximo. E por isso, resolveu atendê-lo. Aplacou sua fúria e mandou sobre a terra as torrentes do dilúvio, que estancaram o fogo. Quando as águas baixaram, com sulcos criados na terra surgiram os rios (para) e o mar (paranan).
Irin-Magé começou, então, a cultivar a terra e repovoar o
mundo, tendo sido muitos e muitos anos o Pagé de todos os homens da terra.
Voltaram, porém, os homens, ao reinado da injustiça. Esqueceram as lições do
passado e começaram a guerrear, a escravizar uns aos outros, a não distinguir o
bem do mal. Para salvá-los, Irin-Magé tentou a prova suprema exigida por Monan:
teria de atravessar três imensas fogueiras, sem se queimar. A Segunda fogueira
Irin-Magé, que já tido como filho do Senhor, criador dos mundos, não
conseguiram ultrapassar. Queimou-se. E sua cabeça então se abriu num ruído
estrondoso, que se elevou até os céus. Foi então que Monan enviou à terra, para
dirigi-la para sempre, Tupan, o deus do raio e da tempestade.
As aldeias dos tupinambás eram compostas por ocas em
formatos retangulares com extensão de cinquenta e oitenta metros quadrados
dispostas em grupos de quatro a sete. No centro ficava a ocara, praça onde eram
realizados todos os atos sociais ou religiosos da aldeia, ou taba. O ingresso
no interior das ocas era através de portas muito baixas, no seu interior
ficavam abrigadas várias famílias.
Entre os tupinambás, os homens andavam de tanga, outros
nus, ou quase inteiramente nus, com enfeites de penas. Adereços como cocares,
braceletes e colares feitos com penas de pássaros como a arara vermelha, a
garça, o canindé e o guará eram uma especialidade dos tupinambás. O corpo
costumava ser untado com resina ou mel, onde eram colocadas penugens de algumas
aves. As mulheres não se enfeitavam tanto, limitavam-se a colocar penas
diretamente no corpo e a tratarem dos cabelos, em geral muito compridos,
untando-os com óleo de côco e urucu e utilizando a casca de alguns frutos para
penteá-los.
Segundo alguns estudiosos, a organização social dos
tupinambás era em forma patrilinear[2]. Os homens
organizavam-se em classes, definidas por critérios de idade e funções
específicas na sociedade tribal, sendo a primeira a da infância e a última a da
velhice, formada pelo Conselho de Pagés. As mulheres também estavam divididas
em classes, desde as que faziam trabalhos domésticos ou se ocupavam da
agricultura, até aquelas que fabricavam cauin[3] ou faziam
ritos antropofágicos[4]. Neste
último caso estavam as mais idosas que eram vistas com maior grau de
importância. É evidente o relevo que os tupinambás davam para os membros mais
velhos do grupo que eram responsáveis pela transmissão das tradições desta
cultura milenar.
Uma característica dos tupinambás é encontrada na forma
como eles viam a concepção de seus filhos. A criança se formava no seio paterno
e, à mãe, cabia apenas a responsabilidade de conservá-la em seu ventre por
algum tempo. Por este motivo, após o parto, as mulheres retornavam
imediatamente aos afazeres domésticos, enquanto que os homens guardavam
resguardo numa rede onde eram visitados e cumprimentados.
Na sociedade tupinambá havia a tendência poligâmica, a
primeira mulher passaria a ser considerada sempre a primeira esposa, devendo as
demais obedecê-la. Significativos,
também, eram os ritos conhecidos como “ritos de passagem”[5]. Entre eles
estavam a transformação do jovem em guerreiro, o noivado e o casamento, a
puberdade feminina, dentre outras.
Ao se referir aos hábitos dos nativos que ocupavam o
litoral norte de Mosqueiro, no início da colonização portuguesa, Mendes
escreve:
Eles construíam suas ubás e igarités (canoas) para o
serviço da pesca. As pescarias giravam em função das marés, das luas, dos
ventos, das correntes marítimas que dominavam a porta de saída fluvial em direção ao mar. O retorno das canoas
era impulsionado pela força das enchentes, dos ventos e correntezas das águas
da Baía do Sol. Aí aportavam as embarcações cheias de peixes e se preparava o
“moquém” em cabanas próprias para esse fim. Depois embalavam em fardos de cipó
e folhas de ubuçú e transportavam até a capital (Belém) para a comercialização.
Em sua descrição sobre a pesca desenvolvida pelos
tupinambás que habitavam o arquipélago de Mosqueiro, Mendes faz referência ao
“moquem”. Esta era uma técnica indígena muito utilizada que terminou sendo
transmitida aos primeiros colonizadores europeus que chegaram ao estuário
amazônico e que é ainda hoje muito utilizada por moradores da região. Segundo
Veríssimo, “o muquem é um assadouro ou grelha, de forma geralmente triangular,
cada ângulo descansando em uma pedra ou forquilha” e a madeira especial,
utilizada para este fim por ser refratária, era conhecida como “páo de muquem”.
Ouvindo antigos moradores de Mosqueiro, em diversas
localidades do arquipélago, estes são uníssonos em afirmar que o moqueio era e
ainda é feito com o objetivo de conservar a carne da caça ou do pescado. Para
tal, abria-se um buraco no chão onde era preparado um braseiro utilizando-se a
lenha do murucizeiro ou do maraximbé, essas madeiras quando ardem levantam
poucas labaredas liberando muita fumaça. A carne a ser moqueada, depois de
eviscerada era colocada sobre folhas de guarumã em uma grelha feita com pau de
tucumã, que, segundo os informantes não queima com facilidade.
Partindo destas descrições, podemos dizer que o “moqueio”
é uma técnica tradicional, herdada de nossos ancestrais tupinambás que
consistia em defumar a carne mais do que assá-la, desta forma, retarda-se o
processo de deterioração do alimento, permitindo que ele seja armazenado ou
transportado para comercialização futura. É interessante lembrar que o “páo de
muquem” a que se refere Veríssimo podem ser as palmas do tucumanzeiro, além da
forma da grelha ser descrita como triangular em algumas entrevistas.
Nos primeiros séculos de colonização portuguesa, o
litoral era responsável, entre outras coisas, pelo abastecimento da cidade de
Belém. Os tupinambás submissos, também conhecidos como tapuias eram
encarregados desta tarefa. Como não possuíam a cultura do sal e não dispunham
de tecnologias como a refrigeração para a conservação do pescado e da caça, as
praias de Mosqueiro, caminho obrigatório para quem chegava em Belém, foram
palco da prática intensiva do moqueio, determinando que a região ficasse
conhecida como a ponta dos “moqueios”.
O mapa denominado de Plano do Porto de Belém indica a Ponta
da Musqueira localizada na ilha situada entre a de Caratateua ou Caratatuba e a
“do Sol”, hoje conhecida como ilha de Colares. Concordando com a idéia de
corruptela do termo, o engenheiro e historiador Augusto Meira Filho conclui: “
... vê-se, portanto, que procede nossa conclusão que o nome Mosqueiro, surgiu
de Moqueio, Mosqueio, Musqueria, Musqueia e Mosqueiro”. Esta versão passa a ser
a mais aceita pelos estudiosos que desenvolveram trabalhos a respeito do
arquipélago de Mosqueiro.
Como podemos perceber, a influência da cultura tupinambá
deixou marcas indeléveis na região onde se situa o arquipélago de Mosqueiro.
Sua população preserva em seus hábitos, em seus valores, no seu jeito de ser e
no próprio sangue as raízes milenares dos tupinambás. Como estratégia de
povoação a coroa portuguesa pagava uma espécie de dote para os colonos que
casassem com índias. Foi uma estratégia que além de garantir a fixação do
europeu em solo desconhecido e cheio de mistérios permitiu uma grande
miscigenação na região. É difícil encontrar um mosqueirense que não tenha o sangue tupinambá correndo nas veias.
[1]
O ensinamento da tradição indígena começa pela denominação que recebem as
coisas. Para o nativo, toda palavra possui um espírito. Um nome é uma alma
provida de um assento. É uma vida entonada em uma forma. Vida é o espírito em
movimento. Espírito é silêncio e som. O silêncio-som possui um rítimo, um tom,
cujo corpo é a cor (JECUPÉ, 1998).
[2]
O pai dava o nome ao
grupo e a todos os filhos de seus parentes, que eram, também seus filhos.
[3]
Bebida fermentada, preparada por índios com mandioca cozida. Também a faziam
com milho e mandioca mastigados.
[4]
No litoral brasileiro, os tupinambá tinham o hábito do cnibalismo ritual, onde certas
partes de um prisioneiro previamente sacrificado eram comidas pelos integrantes
da tribo e pelos seus convidados que comparecia para participar do ritual.
[5]
Segundo Arnold Vam Gennep (1873 - 1957), responsável pela incorporação do termo
na linguagem científica e primeiro antropólogo a registrar a regularidade e o
significado dos rituais relacionados as mudanças de estágios na vida do homem,
nascimento, puberdade, casamento e morte são, em todas as culturas, marcados
por cerimônias.
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