Terezinha tinha dezesseis anos e morava com os pais
Manoel e Graça e o irmão Pedro numa casa de madeira, com quatro cômodos,
construída no fundo do quintal de um Casarão parecido com aqueles chalés que
vemos em fotografias da França e da Suíça. A casa ficava de frente para a praia
do Chapéu Virado, Ilha de Mosqueiro. Dizem que este nome foi dado porque ali
havia artesãos que fabricavam chapéus de palha com aba, isto é, um chapéu
beirado, um chapéu virado.
O casarão foi construído sobre uma estrutura de
alvenaria de pedra que elevava seus cômodos cerca de dois metros do solo, com
isso, seus construtores evitavam a umidade, bastante elevada por aquelas
bandas. Suas paredes eram de madeira, com exceção do banheiro e da cozinha que
era de taipa de pilão. Seu assoalho, sustentado por vigas de madeira de lei,
alternava tábuas de acapú e pau amarelo constituindo desenhos
variados. O acesso ao casarão era feito por uma escadaria cujos degraus eram de
pedra lioz. Contornando as laterais e a frente do casarão existiam
varandas que evitavam a insolação em seus cômodos. Alguns corajosos arriscavam
dormir em redes que eram atadas nessas varandas, muitos terminavam desistindo
diante do vento frio que soprava da praia. Um detalhe interessante de sua
fachada era um trançado feito com pequenas peças de madeira, chamadas de lambrequim,
que dava a sensação de que lá havia um bordado feito por mãos caprichosas. Suas
telhas, conhecidas como francesas, foram compradas na ilha de São Pedro,
localizada entre a baía de Santo Antônio e o furo das Marinhas.
Os pais de Terezinha eram os responsáveis pela
limpeza e manutenção da propriedade. Toda semana, eles abriam o casarão,
varriam, passavam o pano no assoalho, tiravam a poeira dos móveis e colocavam
os colchões sob o sol. Assim, evitavam que o mofo tomasse conta do ambiente.
Sempre a espera dos seus proprietários. Quando estes não chegavam, recolhiam
tudo, fechavam e trancavam suas portas e janelas.
Comentava-se que Manoel, pai de Terezinha, havia
colocado uma jibóia no forro do casarão para que comesse ratos e outros animais
que ali entrassem. Quando questionado a respeito de barulhos estranhos, Manoel
logo dizia – é o vento, não há o que temer! Habilidoso jardineiro, Manoel cuidava
dos canteiros e das diversas árvores frutíferas que haviam por ali,
particularmente de alguns pés de Jasmim Santo Antônio estrategicamente
plantados próximos às janelas dos quartos. Em troca de seus serviços, a família
de Terezinha tinha a permissão de morar na casinha do fundo do quintal,
consumir frutas e verduras produzidas no terreno, criar galinha caipira e
alguns patos, além de uma pequena importância em dinheiro repassada pelos
proprietários em períodos incertos.
Terezinha não teve oportunidade de freqüentar uma
escola, quando não estava ajudando sua família na limpeza do casarão ou nos
afazeres domésticos, passava horas correndo nas areias da praia, sempre em
companhia de suas melhores amigas, as irmãs Jacira e Jaciara. Gostava de tomar
banho de praia, principalmente na enchente quando as ondas eram maiores, também
corria na areia em busca de algum Ajuruzeiro onde pudesse subir e saborear os
seus frutos arroxeados. Na praia havia alguns arbustos com flores amarelas de
onde retirava suas sementes dizendo que era dinheiro, seu formato parecia de
uma moeda.
Em um certo dia, do ano de 1923, Terezinha e suas
amigas souberam da organização de uma festa próxima da rua das mangueiras,
antiga estrada de terra que ligava o Chapéu Virado à Vila. Depois de muita
insistência, Terezinha conseguiu convencer seus pais para deixa-la ir à festa,
as condições eram que seu irmão Pedro deveria acompanhá-la e ambos deveriam
estar de volta às dez horas da noite.
Ao cair da tarde, os quatro jovens já estavam se
arrumando. Após beberem um café preto acompanhado de pão com manteiga, tomaram
a benção de seus pais e partiram ansiosos para a festa. Já havia anoitecido e
como Mosqueiro não possuía iluminação pública, só podiam contar com a luz do
luar refletida sobre as águas. Caminharam alguns metros, quando estavam se
aproximando do chalé do Coronel Lorenço Lucidoro Ferreira da Mota, conhecido
como coronel Loló, de repente, Jaciara parou e arregalou os olhos, os demais
logo entenderam a razão de tanto espanto. Com as pernas trêmulas, coração acelerado
e pêlos arrepiados os quatro puderam viram na varanda da casa, que permanecia
com portas e janelas fechadas, encontrava-se um caixão todo preto, cercado de
vasos com flores brancas. Não havia uma “viva alma”, ou será que havia? Neste
instante, Pedro foi buscar o último fio de coragem que lhe tinha restado e
disse – precisamos nos aproximar para ver se não estamos enganados. Deram
somente alguns passos em direção ao chalé e logo partiram em desabalada
carreira de volta para casa, onde foram chamar seus pais.
(Casa de praia do Coronel Lorenço Lucidoro Ferreira da Mota, coronel Loló)
Descrentes da história que acabaram de ouvir, mas
diante de tanta insistência, eles cederam e foram verificar o que estava
acontecendo. Ao chegar no local, perceberam que os jovens não estavam
brincando, o que viram era de fato muito estranho. O certo é que aproveitaram
que tinham um argumento incontestável e proibiram todos de sair naquela noite,
além de recomendar para rezarem um Padre Nosso e uma Ave Maria antes de dormir.
No dia seguinte, o sol mal havia nascido e Terezinha
já estava de pé caminhando descalça pela praia, junto com as amigas. Elas
queriam ver se o caixão permanecia na varanda do chalé do coronel Loló.
Encontraram a varanda da casa vazia, somente dois Bem-te-vis estavam
pousados sobre o guarda corpo.
Passaram-se os dias, e o acontecido foi ficando para
trás. Após quatro meses do ocorrido, chegou a notícia, o coronel Loló havia
falecido e a data todos já devem imaginar. Coincidência ou não foi na noite da
festa que a Terezinha gostaria que ficasse para sempre na memória, mas por
outros motivos. A residência do Coronel Loló mais tarde, acrescida de um
sobrado, foi transformada em “Casa de Hóspedes”. Propriedade já da família
Cipriano Santos, foi negociada e demolida dando lugar à atual edificação do
condomínio, denominado Lilian-Lúcia. Terezinha, hoje D. Tereza, casou,
teve filhos e mora em uma pequena casa de madeira, próximo à Rua das Mangueiras.
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