Assim como acontece hoje, em tempos idos as pessoas que podiam, também
aproveitavam os finais de semana prolongados. O relato que segue, trata de um
desses finais de semana, em que o Dia de Finados estava incluído. Estava para
se encerrar a década dos anos 40, sendo Mosqueiro uma das poucas opções de
lazer para quem morava em Belém, assim mesmo, restrita para quem dispunha das
poucas vivendas ao longo da orla da praia, sendo Ariramba, depois Carananduba,
as mais distante naquela época, ficando Murubira, portanto, quase no “final da
linha”.
Os protagonistas dos acontecimentos faziam parte de um grupo familiar,
que tinha como matriarca a simpática e afável “Tia Puy”, já viúva de Eládio
Lima, um dos primeiros advogados no Pará. Também estava sua filha, ainda
solteira, a Mariinha, e um neto, o Eladinho, filho do desembargador Eládio Lima
Filho e Maria Malcher Lima, falecidos prematuramente. Participava do grupo,
Heloisa Cruz Coimbra, a “Tia Nenê”, também viúva, irmã da matriarca, sua filha
Célia e o genro Lauro Brandão, pais do então adolescente que ora registra
aquele final de tarde e começo de noite. Mais quatro ou cinco pessoas se
somavam àqueles veranistas, mas que ora se escondem das luzes de quem maneja a
lanterna da lembrança.
A casa onde estavam hospedados naquele final de semana situava-se na
Praia do Murubira, propriedade do Dr. Domingos Acatauassú, e muitas vezes foi
cedida pela viúva, dona Maria dos Anjos, para a amiga Lucinda Cruz Lima (Tia
Puy), que repartia com a família as oportunidades de estada. Quando hoje se
transita em frente, a citada casa ainda lá está lembrando-se que as
dependências de dormir e estar ficavam no pavimento superior, circundadas por
uma varanda que protegia do sol e da chuva.
No térreo, dispunha de um amplo espaço onde se faziam as refeições,
conversava-se animadamente, e as crianças e adolescentes brincavam, tudo sem
incomodar os que já se haviam recolhido para dormir. Situava-se no centro de um
amplo terreno, com jardim e árvores frutíferas, onde a cada manhã os
passarinhos se encarregavam de iniciar a festa do amanhecer.
O final de semana ora em foco, terminava com o feriado do Dia de
Finados, daí porque todos se arrumaram para pegar o ônibus, que passaria em
frente a casa cerca das 16h30, para chegar a Vila com a devida antecedência, a
fim de permitir a compra de passagens para o navio, que desatracaria em horário
de domingo, às 18h. Mas eis que naquele final de tarde, depois de uma espera
prolongada, os passageiros foram avisados de que havia danos no sistema a vapor
do “Almirante Alexandrino”. Por isso, a viagem foi transferida para a manhã
seguinte, para que fossem providenciados os devidos reparos.
Depois de correr o boato de que a caldeira do navio estaria para
explodir, os passageiros tiveram que aceitar o desconforto de regressar às suas
casas. Recolocadas as bagagens no ônibus, chegaram de volta ao Murubira com a
noite já começada, lá pelas 20h. Como era precário o abastecimento de energia,
a iluminação pública praticamente não existia. Depois que o ônibus partiu, a
escuridão era quase total, e o silêncio só era quebrado pelas ondas que se
lançavam nas areias. Para inquietação de todos, não se dispunha das chaves da
casa, que tinham sido devolvidas à caseira, então ausente. Estava feito o
ambiente que levou algumas pessoas do grupo a se questionarem se não teria sido
melhor ter ficado em Belém, rezando pelos mortos...
Refeito da inércia momentânea, o grupo subiu a escada que levava ao
piso superior, já liderado pelo pai deste relator, que tinha a fama de abrir
qualquer porta. Percorrendo a varanda, procurou a porta ou janela que lhe
pareceu mais frágil. Sempre acompanhado de perto pelo grupo, parou diante da
porta do quarto voltado para os fundos, constituída de duas “folhas”, daquelas
serradas na parte de cima, que lhe pareceu mais favorável a ceder. No vigor de
seus 35 anos, rodeado pelos demais em expectativa, pegou impulso e jogou o
ombro de encontro à porta, pelo menos duas vezes, sem sucesso. Em seguida parou
para pensar em nova estratégia. Seguiu-se então o inesperado: a porta pareceu
estar sendo forçada de dentro para fora, mas com uma força bem maior daquela
com a qual foi submetida de fora para dentro. Houve pelo menos dois momentos em
que parecia estar prestes a abrir-se, não se sabendo o que haveria de surgir.
No momento em que o pretenso arrombador olhou para traz, a debandada
tinha sido geral, a começar pela matriarca, que já setuagenária, desceu a
escada próxima com a agilidade de uma mocinha. Reunidos atônitos no térreo a
comentar o acontecido, eis que, depois de algum tempo, surge a caseira,
oferecendo as chaves. Refeitos do susto, uns concluíram que a porta foi forçada
pela caseira, que estaria dentro da casa, auxiliada naturalmente pela “força de
um homem”, enquanto outros se deixaram levar pela possibilidade da ação de uma
“força estanha”, em plena noite de finados...
Por fim, todos acabaram se acomodando para repousar, vencidos pelo
cansaço do dia agitado, e pelas emoções vividas naquela noite. Afinal, teriam
poucas horas para dormir, porque na madrugada que se avizinhava deveriam estar
prontos para aguardar o ônibus que os traria de volta a Vila, para o embarque e
viagem de regresso à Cidade.
(Texto de Ivens Coimbra Brandão,
reeditado de seu livro Memórias &
História, 2ª edição).
Minha bisavó Puy!!!
ResponderExcluirBom dia. Escrevo sobre a ancestralidade do Gen. Guilherme Ribeiro Cruz, meu falecido avô, filho do Dr. Guilherme Francisco Cruz e de Dona Maria Antônia Nina Ribeiro Cruz. Vô Ua, como o chamávamos, deixou-nos escrito que deste primeiro enlace, teve por irmã Dona Lucinda Cruz Lima, a Tia Puy. Do segundo enlace do Dr. Guilherme Francisco, agora com Dona Maria Luíza Nina Ribeiro Cruz, resultou o nascimento da irmã materna, Dona Heloísa Cruz Coimbra, a Tia Nenê, citadas acima, no Blog. Na esperança de encontrar informações sobre minha família paraense, decidi recorrer a este tão precioso documento.
ResponderExcluirComo faço para receber informações de Tia Puy, Lucinda Cruz Lima?
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