Farol de Mosqueiro

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Uma noite de finados no Murubira.



Assim como acontece hoje, em tempos idos as pessoas que podiam, também aproveitavam os finais de semana prolongados. O relato que segue, trata de um desses finais de semana, em que o Dia de Finados estava incluído. Estava para se encerrar a década dos anos 40, sendo Mosqueiro uma das poucas opções de lazer para quem morava em Belém, assim mesmo, restrita para quem dispunha das poucas vivendas ao longo da orla da praia, sendo Ariramba, depois Carananduba, as mais distante naquela época, ficando Murubira, portanto, quase no “final da linha”.
Os protagonistas dos acontecimentos faziam parte de um grupo familiar, que tinha como matriarca a simpática e afável “Tia Puy”, já viúva de Eládio Lima, um dos primeiros advogados no Pará. Também estava sua filha, ainda solteira, a Mariinha, e um neto, o Eladinho, filho do desembargador Eládio Lima Filho e Maria Malcher Lima, falecidos prematuramente. Participava do grupo, Heloisa Cruz Coimbra, a “Tia Nenê”, também viúva, irmã da matriarca, sua filha Célia e o genro Lauro Brandão, pais do então adolescente que ora registra aquele final de tarde e começo de noite. Mais quatro ou cinco pessoas se somavam àqueles veranistas, mas que ora se escondem das luzes de quem maneja a lanterna da lembrança.
A casa onde estavam hospedados naquele final de semana situava-se na Praia do Murubira, propriedade do Dr. Domingos Acatauassú, e muitas vezes foi cedida pela viúva, dona Maria dos Anjos, para a amiga Lucinda Cruz Lima (Tia Puy), que repartia com a família as oportunidades de estada. Quando hoje se transita em frente, a citada casa ainda lá está lembrando-se que as dependências de dormir e estar ficavam no pavimento superior, circundadas por uma varanda que protegia do sol e da chuva.  No térreo, dispunha de um amplo espaço onde se faziam as refeições, conversava-se animadamente, e as crianças e adolescentes brincavam, tudo sem incomodar os que já se haviam recolhido para dormir. Situava-se no centro de um amplo terreno, com jardim e árvores frutíferas, onde a cada manhã os passarinhos se encarregavam de iniciar a festa do amanhecer.
O final de semana ora em foco, terminava com o feriado do Dia de Finados, daí porque todos se arrumaram para pegar o ônibus, que passaria em frente a casa cerca das 16h30, para chegar a Vila com a devida antecedência, a fim de permitir a compra de passagens para o navio, que desatracaria em horário de domingo, às 18h. Mas eis que naquele final de tarde, depois de uma espera prolongada, os passageiros foram avisados de que havia danos no sistema a vapor do “Almirante Alexandrino”. Por isso, a viagem foi transferida para a manhã seguinte, para que fossem providenciados os devidos reparos.
Depois de correr o boato de que a caldeira do navio estaria para explodir, os passageiros tiveram que aceitar o desconforto de regressar às suas casas. Recolocadas as bagagens no ônibus, chegaram de volta ao Murubira com a noite já começada, lá pelas 20h. Como era precário o abastecimento de energia, a iluminação pública praticamente não existia. Depois que o ônibus partiu, a escuridão era quase total, e o silêncio só era quebrado pelas ondas que se lançavam nas areias. Para inquietação de todos, não se dispunha das chaves da casa, que tinham sido devolvidas à caseira, então ausente. Estava feito o ambiente que levou algumas pessoas do grupo a se questionarem se não teria sido melhor ter ficado em Belém, rezando pelos mortos...
Refeito da inércia momentânea, o grupo subiu a escada que levava ao piso superior, já liderado pelo pai deste relator, que tinha a fama de abrir qualquer porta. Percorrendo a varanda, procurou a porta ou janela que lhe pareceu mais frágil. Sempre acompanhado de perto pelo grupo, parou diante da porta do quarto voltado para os fundos, constituída de duas “folhas”, daquelas serradas na parte de cima, que lhe pareceu mais favorável a ceder. No vigor de seus 35 anos, rodeado pelos demais em expectativa, pegou impulso e jogou o ombro de encontro à porta, pelo menos duas vezes, sem sucesso. Em seguida parou para pensar em nova estratégia. Seguiu-se então o inesperado: a porta pareceu estar sendo forçada de dentro para fora, mas com uma força bem maior daquela com a qual foi submetida de fora para dentro. Houve pelo menos dois momentos em que parecia estar prestes a abrir-se, não se sabendo o que haveria de surgir.
No momento em que o pretenso arrombador olhou para traz, a debandada tinha sido geral, a começar pela matriarca, que já setuagenária, desceu a escada próxima com a agilidade de uma mocinha. Reunidos atônitos no térreo a comentar o acontecido, eis que, depois de algum tempo, surge a caseira, oferecendo as chaves. Refeitos do susto, uns concluíram que a porta foi forçada pela caseira, que estaria dentro da casa, auxiliada naturalmente pela “força de um homem”, enquanto outros se deixaram levar pela possibilidade da ação de uma “força estanha”, em plena noite de finados...

Por fim, todos acabaram se acomodando para repousar, vencidos pelo cansaço do dia agitado, e pelas emoções vividas naquela noite. Afinal, teriam poucas horas para dormir, porque na madrugada que se avizinhava deveriam estar prontos para aguardar o ônibus que os traria de volta a Vila, para o embarque e viagem de regresso à Cidade. 


(Texto de Ivens Coimbra Brandão, reeditado de seu livro Memórias & História, 2ª edição).

3 comentários:

  1. Bom dia. Escrevo sobre a ancestralidade do Gen. Guilherme Ribeiro Cruz, meu falecido avô, filho do Dr. Guilherme Francisco Cruz e de Dona Maria Antônia Nina Ribeiro Cruz. Vô Ua, como o chamávamos, deixou-nos escrito que deste primeiro enlace, teve por irmã Dona Lucinda Cruz Lima, a Tia Puy. Do segundo enlace do Dr. Guilherme Francisco, agora com Dona Maria Luíza Nina Ribeiro Cruz, resultou o nascimento da irmã materna, Dona Heloísa Cruz Coimbra, a Tia Nenê, citadas acima, no Blog. Na esperança de encontrar informações sobre minha família paraense, decidi recorrer a este tão precioso documento.

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  2. Como faço para receber informações de Tia Puy, Lucinda Cruz Lima?

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